Categoria: Depoimentos

  • Ex-freira da SSVM afetada: “Eles me seguraram contra a minha vontade e me destruíram psicologicamente”

    Ex-freira da SSVM afetada: “Eles me seguraram contra a minha vontade e me destruíram psicologicamente”

    Uma mulher que passou 20 anos no IVE conta ao IDEAL sua história e como eles “manipulam” os devotos para obter doações

    Aurora, nome fictício, tinha apenas 16 anos quando um padre do Instituto do Verbo Encarnado a incentivou a fugir da casa de seus pais no Brasil para iniciar o noviciado. Sua família não queria que ele tomasse uma decisão tão drástica naquela tenra idade, mas uma noite ele fugiu para a Argentina com o padre.

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  • O abandono humano em sua máxima expressão

    O abandono humano em sua máxima expressão

    Recentemente, foi publicado no YouTube um vídeo de quatro ex-religiosas contando suas experiências nas “Servidoras del Señor y la Virgen de Matará”, um vídeo que em uma semana alcançou 5.000 visualizações.

    Cada uma, em sua simplicidade, expressou suas experiências de abuso, manipulação, abandono e o que as levou a deixar o Instituto e a não mais permitir que a Congregação manipulasse suas vidas.

    Entre as muitas mensagens de apoio, muitos expressaram que se identificaram com o testemunho de abandono de Mônica após anos de vida religiosa. Mas qual foram essas experiências?

    Para aqueles que a conheceram, se lembrarão de que Mônica entrou com 17 anos de idade, uma jovem ativa e transparente com um forte desejo de santidade. Uma jovem dócil com seu diretor espiritual, com suas superioras e amante de seu instituto. Talvez dócil demais!

    Mônica foi como muitas vocações que entraram, jovens, fortes, com um grande desejo de santidade, de fazer o bem, etc., mas esse não é o problema, o problema é como o Instituto se aproveita disso, abusando de suas consciências, manipulando-as e, depois de anos, abandonando-as.

    Conocida era a ânsia de Buela no início em fundar rapidamente em muitos países, de enviar seus jovens missionários a lugares distantes, com idiomas difíceis, sem apenas experiência; o importante era crescer em número, o que impediria a Igreja de fechá-los, mas Buela nunca teve a iniciativa de sair em missão.

    Desses primeiros missionários, alguns ainda permanecem, mas a taxa de desistência no IVE é alta. Alguns se tornaram diocesanos, outros ficaram doentes, outros perderam a fé ou simplesmente tiveram que sair por causa de algum escândalo ou por algum problema com mulheres.

    O IVE prefere ter alguns como amigos, ter seus filhos nos bacharelados de San Rafael e na Terceira Ordem, desde que isso não represente uma despesa para eles ou simplesmente mostrar que são caridosos, ou talvez, para evitar que se saiba o que realmente aconteceu, pois no caso daqueles que optaram por não permanecer como “amigos”, ou denunciar os abusos de autoridade, chegando a casos de crimes, a esses os superiores proíbem qualquer contato; mesmo que tenham sido bons religiosos ouque ainda continuam sendo. Fazem comentários prejudiciais à sua pessoa, chamando-os de loucos e dizendo: “são um perigo”! O perigo é se eles disserem a verdade!

    Não são “loucos”, simplesmente saíram porque começaram a PENSAR, percebendo as ações dos superiores, as manipulações e que foram enganados na sua boa FÉ.

    Assim aconteceu com Mônica. Foi enviada à um lar com mais de 140 crianças com vários problemas familiares e judiciais. Aos 20 anos já era a vigária da comunidade (a segunda em autoridade), mas estava praticamente sozinha no comando, pois sua superiora era a tesoureira provincial e viajava muito. Mônica atendia não só as crianças com seus problemas, mas também às religiosas, sem ter respostas efetivas de sua superiora.

    Um lar com poucas freiras, algumas delas doentes, sem treinamento profissional para lidar com crianças em situações, muitas vezes, complexas, com a ajuda de poucos voluntários, alimentação insuficiente e pouco tempo para descanso.

    As SSVM brincam com a caridade, não formam a seus membros o suficiente e os sobrecarregam com funções que excedem suas capacidades humanas; as enviam com uma única frase: “são mães de almas” e com isso pensam que não podem falhar.

    são indiferentes ao sofrimento humano das religiosas. Repetem constantemente a famosa frase das Constituições: “que venderiam um cálice para o bem da saúde das irmãs”, dizem, mas não o aplicam.

    O que fazem é substituir por outras mais jovens e mais dóceis.

    Mônica foi durante mais 20 años religiosa e nunca deixou de comunicar os problemas que estavam ocorrendo, tanto nas comunidades onde vivia quanto em sua situação pessoal. A única ajuda que recebeu das superioras era mudá-la de comunidade, exigindo-lhe o mesmo esforço até que sua saúde física e psicológica entrou em colapso.

    Sua superiora provincial chegou a lhe dizer que poderia ajudá-la mais fora do que dentro (uma forma sutil de “jogar fora” uma pessoa que não é mais útil), a mesma superiora sabia que seria uma ajuda por dois meses, no máximo, e depois deixaria de atendê-la.

    Centenas de religiosas estao representadas em Mônica que adoeceram depois de muitos anos e isso continua a acontecer.

    Outra questão é a da Previdência Social (que será tratada mais adiante), somente aquelas que trabalham como professoras e se a lei do país obriga, caso contrário, nenhuma tem contribuições para a aposentadoria e, se no futuro vierem a precisar por causa de alguma doença, passarão pelo que as jovens estão passando hoje, terão de deixar a vida religiosa, pois a Congregação não tem os meios econômicos – ou não quer usá-los – para a saúde das irmãs.

    Mônica saiu sem ter concluído seus estudos secundários, pois foi recebida no noviciado sem tê-los concluído, ao contrário do que exige o Direito Canônico.

    E essa é a situação de muitas que, que ademais não contam tampouco com os pais vivos para ajudá-las, mas isso é algo que não preocupa às SSVM.

    Os editores deste blog consultaram outras Congregações, como os Franciscanos, os Redentoristas, os Oblatos etc., e perguntaram como lidam com os que saem. Todos responderam que os religiosos têm suas respetivas contribuições feitas e quando saem do Instituto, tentam ajudá-los a se inserir no mundo, seja com emprego, moradia etc. Embora não sejam obrigados pela lei canônica, são recomendados por caridade àqueles que deram parte de suas vidas à Congregação.

    No entanto, o IVE e as SSVM, com seus ex-membros, na melhor das hipóteses, enviam-lhes um envelope com alguma quantia, dois trapos como roupas e se souberem de alguma queixa, são tachados de ingratos.

    Talvez por essa e muitas outras razões, continuam sendo um Instituto de direito diocesano e nunca receberão a aprovação pontifícia, pois a intenção dos superiores é alimentar esse sistema fundamentalista criado por Buela. Mônica teve a coragem de se manifestar e denunciar os danos morais e psicológicos causados por eles, que, no caso dela, foram terríveis.

    Não sabemos como a consciência desses superiores lhes permitem continuar, causando mais danos a outras pessoas. Eles sabem que os membros saem num estdo de vulnerabilidade e indefesos, que não serão capazes de processar rapidamente o que aconteceu, levantar-se e contar a história.

    Quando a Santa Sé fará algo para impedi-los?

    Que haja justiça!

  • “Não fui a única que sofri isso, aconteceu com mais seis religiosas”

    “Não fui a única que sofri isso, aconteceu com mais seis religiosas”

    Laura Campos, a heroína que decidiu relatar o sofrimento oculto de várias freiras abusadas pelo padre José María Corbelle.

    Em um vídeo publicado recentemente no YouTube, relata calmamente as diferentes manipulações que ocorrem no Verbo Encarnado / Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará, não apenas os casos de abuso sexual sofridos por algumas irmãs, mas também o que é mais terrível, a ocultação e a falta de empatia dos superiores a toda a desordem que ocorre dentro dessas paredes.

    Sem ir mais longe, em resposta a estreia do vídeo, os sacerdotes do IVE em nosso país, consultando o Dr. Miguel Angel Fuentes sobre o que dizer, começou a circular entre os membros uma declaração escrita do mesmo: “Não semeie dúvidas”.aconselhando-os a “não encaminhar o vídeo e evitar assisti-lo”. A dúvida pode comprometer sua vocação, dizem eles. Aos leigos foram aconselhados a fazer a mesma coisa.

    O comentário interno é: “Não duvidamos do que dizem, mas por que divulgar isso publicamente”.

    Por quê?

    Porque durante 30 anos, tanto o padre Carlos Buela, o padre Gonzalo Ruiz e as superioras sabiam do fato e ninguém fez nada.

    Porque em 30 anos o padre abusador continua missionando pregando Exercícios Espirituais como se nada tivesse acontecido. Sem nenhuma advertencia! Será por sua amizade com o falecido Buela?

    Porque já há uma denúncia em Roma e há mais vítimas dentro do convento e pode haver mais se isso não for interrompido,

    porque existem outros tipos de manipulaçoes y abusos de consciência que também foram denunciados, como foi o caso de Mônica e

    Porque, como no caso de Yamile, manipulada por seus diretores espirituais e vendo todos os tipos de abusos, tinha que ficar calada porque, diante de qualquer escândalo: “não devemos dizer nada, para o bem dos leigos“, “são leigos, não entenderão”, em suma, era calar-se pelo bem do Instituto.

    O Instituto tornou-se mais importante do que Cristo, a caridade e a verdade. Defendem mais o Instituto do que o próprio Cristo (um Instituto que nem sequer é reconhecido pela Igreja como uma Congregação religiosa e, além disso, baixo intervenção vaticana).

    No vídeo, Laura comenta sobre como as freiras são manipuladas pelos capelães que as instruem sobre o que dizer e como agir em qualquer situação que os comprometem. Como neste caso: assim que o vídeo foi divulgado, todos correram para o guru, padre Miguel Ángel Fuentes, e a resposta foi: “Não encaminhe, não assista… porque pode gerar dúvidas”, e todos os capelães começaram a repetir a mesma coisa. Um comportamento típico de uma seita.

    O governo paralelo do IVE respondeu aos leigos que os questionaram sobre o vídeo com a frase: “essas não estão bem da cabeça”.Laura, por exemplo, foi Vigária Geral do Instituto, parte do Conselho Geral e Superiora por anos em diferentes missões, com um doutorado em bioética, e agora está louca?

    O mesmo aconteceu com Monica (Piaghe), entrou saudável, era a vigária da comunidade (segunda no comando) em uma casa com mais de 120 crianças até que adoeceu com a sobrecarga física do trabalho que afetou seu estado anímico e psicologico. Enquanto estava saudável, cumpriu com seus deveres religiosos e com os cargos de autoridade que ocupava, mas quando ficou doente por causa do sistema abusivo e desumano do Instituto, o mesmo Instituto a convidou a deixar a vida religiosa.

    Yamile, mesmo com todos os seus sofrimentos e dúvidas, trabalhou intensamente no Instituto, mesmo nos piores momentos de sua situação pessoal. Foi enviada para estudar em Roma, em Universidades Pontifícias (algumas são enviadas, uma forma de manter uma certa aparência), logo enviada como superiora para missões no Oriente Médio.

    Todos as superioras, desde o início, conheciam seu caso, aproveitaram de sua força física, sua capacidade intelectual e sua liderança, sem preocupar-se com seus traumas passados. Quando não aguentou mais e foi embora, nem seuqera era lembrada como uma irma que entregou seu tempo e forças em missões mais difíceis.

    Eu mesma ouvi da minhas superiora: “Coitada, tudo o que está fazendo por ressentimento!!!”, e outras frases como: “Que ingrata”!, “Agora fala mal da Congregação”, “Não respeita nem as irmãs que estão na Congregação”.

    Que grande manipuladores são!

    “Por fim, peço ao Dicastério para o Clero que faça uma investigação cuidadosa do padre José Corbelle. Para evitar estas situaçoes, pois durante 28 anos esses abusos foram encobertos, silenciados e temo que haja mais vítimas”, diz Laura no vídeo.

    Ademais de expressar que esses abusos eram de natureza sexual, causando-lhe danos psicológicos e espirituais que ela sofreu durante anos.

  • “Solicito ao Dicastério para o Clero que investigue o padre José María Corbelle por abuso sexual contra mim e outras religiosas”.

    “Solicito ao Dicastério para o Clero que investigue o padre José María Corbelle por abuso sexual contra mim e outras religiosas”.

    Desde há um tempo, o Vaticano enviou religiosas como Visitadoras Apostólicas ao Instituto Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará, devido as contínuas denúncias sobre muitas irregularidades que foram encubertas ao longo dos anos dentro dos muros do convento: abusos psicológicos, manipulações, abandono de pessoa e abuso sexual.

    São centenas as religiosas que abandonaram a vida religiosa nesta Ordem, a grande maioria com mais de 25/30 anos de vida consagrada. Hoje muitas destas irmãs estão dispostas a não mais permanecer caladas e a enfrentar com a verdade o que realmente se vive no ramo feminino da “Família” do Verbo Encarnado.

    Dos muitos testemunhos que chegaram à nossa redação, hoje compartilharemos o testemunho de 4 ex-servidoras, que com muita dor se dispõem a contar a dura realidade do que viveram no seu interior. Entraram como tantas outras com grandes desejos de santidade e de serviço, mas a realidade que viviam era bem diferente. Hoje é apresentado o testemunho de algumas delas, todas de votos perpétuos. Uma delas chegou a fazer parte do Conselho Geral de Roma, outras, também missionárias, decidiram não ficar mais caladas para que mais pessoas não fossem prejudicadas.

    Yamile Peralta (ex-irmã María Clemens)

    17 anos de vida religiosa, missionária no Oriente Médio, foi superiora das Servidoras na Faixa de Gaza. Ela nos conta sua história vocacional dentro das SSVM, a manipulação em sua vocação religiosa e as tristes consequências em sua vida. Era a mais velha das 5 irmãs religiosas, irmãs de sangue, que também ingressaram na mesma congregação e que, após muitos anos de vida religiosa, foram abandonando gradativamente o convento, apenas uma atualmente segue. Yamile nos explica as manipulações dos diretores espirituais e as consequências que ela teve que sofrer durante esses 17 anos dentro das Servidoras.

    Laura Campo (ex-Irmã María del Milagro)

    Laura, com mais de 30 anos de vida religiosa, teve que se afastar da Congregação, sofreu abusos sexuais por parte de um padre do IVE (reitor do seminário maior na época) ao ingressar no Instituto Sua história é comovente. Conta a manipulação que foi feita em seu caso para silenciar a verdade e como testemunhou o sofrimento de outras religiosas que também foram abusadas por esse padre. Laura tem uma vasta experiência na congregação desde que fez parte do governo geral e foi superiora de muitas comunidades. Hoje nos conta toda a verdade dentro dos muros das Servidoras e revela os responsáveis ​​pelo encobrimento dos abusos.

    Mónica Cobos (ex-Irmã María delle Piaghe di Gesu)

    Mónica entrou com 18 anos e saiu com 41 anos Sem estudos básicos, sem contribuições aportadas para uma futura aposentadoria, sem onde morar e doente. Uma enfermidade devida ao estresse sofrido dentro da congregação. No início as servidoras cuidavam de um orfanato com mais de 120 crianças (em San Rafael, Argentina), atendidos por 10 religiosas, onde Piaghe era a vigária (segunda encarregada depois da superiora), dedicou toda a sua saúde em diversos trabalhos, conta também as diversas situações pelas quais passou, dos problemas que enfrentava, tanto ela como no mesmo apostolado; as inúmeras vezes que comunicou à superiora todas essas situações, mas que nunca houveram mudanças. Hoje, as superioras negam qualquer tipo de ajuda, assim como negam também à maioria das que vão embora. Mónica abre o coração e expressa tudo o que fizeram ela viver durante mais de 20 anos.

    Kelly Sue Fitzharris (ex-Irmã Maria Lumen)

    Kelly, uma americana que entrou para as SSVM nos Estados Unidos e logo foi nomeada superiora em uma comunidade no Harlem, Nova York. A superiora provincial designou para sua comunidade uma irmã religiosa de votos perpétuos que estava doente psiquiatricamente e a proibiu de contar às outras irmãs seu estado de saúde; isso desencadeou uma situação de desordem e mal-entendidos dentro da comunidade.

    A ex-superiora M. Lumen acabou, entao, sofrendo um colapso em seu sistema nervoso e decidiu sair. Uma história dura de uma vida religiosa acelerada, superficial e levada ao estresse.

  • O que realmente aconteceu no convento

    O que realmente aconteceu no convento

    Publicamos aqui uma tradução do artigo publicado por Kelly Sue Fitz (ex-Madre Lumen) em seu blog, originalmente em inglês. Obrigado, Kelly Sue, por permitir-nos publicá-lo aqui.

    Nos últimos meses, estive imersa no “trabalho de sombra” e percebi que, mesmo quando você acha que já superou tudo, sempre há algo mais a ser superado. E esse algo para mim foi o tempo em que passei no convento.

    Até o momento, acho que nunca dei voz suficiente à verdadeira injustiça e ao quadro completo de negligência e disfunção que vivenciei e que é vivenciado lá.

    E, embora eu tenha escrito blogs, feito vídeos e até mesmo escrito uma carta pública de 3 páginas para a minha antiga Congregação em 2015, raramente publiquei os detalhes brutos e cruéis, talvez por tentar ser um pouco respeitosa, suponho, obedecendo ao arquétipo de “boa menina” que ainda vive em mim.

    Devo dizer que muitas vezes é difícil responder à pergunta: “Por que você deixou o convento?”, elaborar uma resposta elevada, dependendo para quem não é possível, então geralmente conto uma versão abreviada e digerível, mas uma ex-irmã, uma vez, me lembrou da importância de não minimizar o acontecido, especialmente para mim mesma. Então, aqui estou eu tentando canalizar a guerreira e a bruxa que mora dentro de mim para fazer um relato mais completo do que aconteceu. Além disso, percebi ao longo desses anos que, ao tentar me conter, meu testemunho não foi suficientemente visível e validado.

    Parte de “minha sombra” com a que eu tenho trabalhado recentemente é o peso que carrego em torno a mim por ser considerada uma “preguiçosa”, pois não consigo conceber a ideia de trabalhar em tempo integral nunca mais, e não o faço desde 2019, mas será que se o mundo soubesse o que eu passei em apenas alguns anos, mas de forma intensa, meu desejo de nunca mais trabalhar em tempo integral seria validado?

    Parte do meu “trabalho de sombra” é justamente assumir essa “sombra” e poder sair dela, uma tentativa de deixar aquela sombra de menina preguiçosa, mas sei que isso é apenas uma parte de mim, pois há outra parte que sabe que há um ritmo natural em cada um de nós que também deve ser buscado, reconhecido e obedecido.

    A semanas de trabalho de mais de 40 horas podem ser consideradas ridículas para qualquer ser humano, se considerarmos que também devemos desfrutar de nossos entes queridos, cultivar dons, nutrir a natureza etc. e não estar apenas sentado horas en frente ao computador, preocupado-se em ganhar dinheiro para continuar sobrevivendo, mas, infelizmente, vivemos em 2023 e, para a maioria de nós, é uma constante batalha o fato de sobreviver e ter tempo para fazer coisas que amamos com as pessoas que amamos.

    De qualquer forma, este texto também servirá como um chamado às SSVM (novamente) e poder assim validar o meu eu mais jovem que, naquela época, precisava de alguém que lutasse por ela, mas não tinha ninguém.

    Convento de ST Paul, ca. 2009

    Esta será minha melhor tentativa de fazer uma lista desses anos de “shitshow”:

    – Aos 26 anos, fui nomeada Madre Superiora do convento em East Harlem, Nova York, era a mais jovem daquela comunidade, tanto em idade quanto em vida religiosa, sem ainda ter feito os votos perpétuos. Faziamos apostolado em uma gigantesca paróquia bilíngue.

    – Depois de um ano, foi enviada à minha comunidade uma irmã que havia sido diagnosticada com transtorno de personalidade limítrofe. Era argentina, tinha 30 e poucos anos, havia feito os votos perpétuos e estava causando agitação nas casas de formação em Washington, onde morava. Minhas superioras a enviaram para minha comunidade, dizendo: “Lumen, você é muito calma, temos certeza de que será capaz de lidar com ela” ao mesmo tempo me deram ler o livro “Walking on Eggshells” para poder lidar-me com ela e com a situaçao. Nesse momento, eu me sentia, dentro de tudo, “calma”, pois acho que já estava vivendo em uma dissociação constante com a quantidade de coisas que ia acontecendo.

    – Eu não tinha permissão para informar as outras irmãs da comunidade sobre o diagnóstico dessa irmã, de modo que elas basicamente tinham de sofrer com a raiva, as explosões e o desconforto que essa irmã causava, sem entender por que ninguém fazia nada a respeito.

    – Diariamente, eu tinha longas sessões de diálogo e escuta com essa irmã – às vezes até duas horas seguidas – enquanto ela chorava, trancada em seu mundo emocional de autoaversão, absorvendo-me, consumindo a minha energia e o tempo que eu tinha para dedicar também às outras irmãs da comunidade.

    – Esa irma ia a um psiquiatra e tomava vários medicamentos psicóticos, na época também foi lhe sugerido uma terapia comportamental dialética residencial devido à gravidade. Pedí ao seu psiquiatra uma carta por escrito para presentá-la às superioras como uma prova da sua gravidade. Esse tratamento foi recusado pelas superioras por motivos financeiros, mas por outro lado se recusavam conversar com a airma e enviá-la a sua casa, portanto continuou na comunidade, tomando seus medicamentos e fazendo terapia de conversação uma vez por semana, o que não ajudou em nada. Isso durou dois anos sem nenhum controle, enquanto eu gradualmente “perdia a cabeça”.

    – Essa irmã regularmente tinha explosões por causa de seu transtorno, tanto comigo quanto com o restante da comunidade por pequenas coisas, como o fato de uma irmã dobrar as toalhas do seu jeito.

    – Dezenas de vezes que se trancava no banheiro por horas, batia a cabeça contra a parede repetidamente para se machucar; todo tipo de loucura.

    – Além do livro, não recebi nenhuma preparação ou apoio para ajudá-la. somente me diziam: “Não leve nada do que ela diz ou faz para o lado pessoal, é a doença dela”.

    – Ademais de ter um comportamiento hipocondríaco furioso. Desde que chegou na comunidade com alergias alimentares, teve sua vesícula biliar removida quando eu era a esponsável pela comunidade, fomos a dezenas de especialistas em Nova York ao longo de seus dois anos comigo no Harlem.

    – Sem mencionar que me ligava constantemente, enquanto eu estava trabalhando no escritório de catequese da paróquia (substituindo outra irmã que teve que ausentar-se por um ano e que tampouco recebeu nenhum tipo de apoio -mas disso falaremos depois-), reclamando de dores, tirando-me do trabalho ou o que parecia mais provável, simplesmente tentando chamar minha atenção, como geralmente acontece com as pessoas que têm esse tipo de transtorno com a pessoa que as acompanha.

    – Muitas coisas aconteceram naquele primeiro ano, mas lembro que outra irmã da minha comunidade precisou voltar à Argentina para ajudar a mãe por um período indefinido. Essa irmã era responsável pelo catecismo na paróquia, o apostolado era muito grande e o trabalho era em tempo integral, pois havia mais de 400 crianças e mais de 50 catequistas em um programa bilíngue (espanhol aos sábados e inglês aos domingos). E adivinha quem deveria ocupar seu cargo, enquanto ela estava em licença por tempo indeterminado? Exatamente, eu!

    Pedi apoio às minhas superioras porque sentia que literalmente me enlouquecia. Minhas superioras sabiam como era difícil ter uma irmã com transtorno de personalidade limítrofe na comunidade, então como poderiam pensar que eu poderia assumir mais uma responsabilidade e substituir a irmã que tinha se ausentado, assumindo também a função de diretora de catequese em tempo integral?

    Afinal me enviaram uma e foi uma verdadeira bênção para mim, mas não o suficiente, porque, para minha surpresa, ela também estava doente e frequentemente precisava se ausentar, até que finalmente desistiu da vida religiosa (hoje está melhor, curada e prosperando em sua vida). Conclusão: Tive de assumir esse cargo em tempo integral durante todo o ano catequético, juntamente com a administração da irmã doente e do restante das irmãs da comunidade, sem mencionar que também era responsável a nível de província, pela parte litúrgica, planejando toda a liturgia cantada para festas, missas e eventos, nos quais reuníamos centenas de pessoas.

    Ensaio do coral, 2010

    Além disso, ser superiora de uma comunidade já implica suas próprias responsabilidades, que incluem todas as irmãs, reuniões de superioras, funções de liderança etc., essa era basicamente a parte mais fácil, mas isso não significava que eu não fazia nada; o apostolado era muito grande e eu tinha que preparar e organizar constantemente aulas na paróquia, retiros para jovens, crianças etc. Sempre havia muito o que fazer.

    Mas, por que ninguém me escutava?

    E ainda não terminei!

    – Minhas superiorea pareciam ignorar tudo o que eu dizia. Deram-me a noticia que eu tinha que viajar para a Argentina para acompanhar essa irmã doente para que se consultasse com um médico de lá. Ficaríamos na casa de sua tia em Buenos Aires por alguns dias, para que o médico pudesse fazer alguns exames nela, enquanto ela tomava seus remédios, não me lembro bem quais eram esses remédios, mas não estavam relacionados ao distúrbio que ela tinha, mas sim à sua saúde física. Então viajamos para lá e fizemos tudo o que era necessário, não foi fácil e tivemos muitas brigas durante a viagem.

    Não me lembro bem, mas, no último momento, ela queria que eu viajasse com ela para visitar sua família em outra região da Argentina (uma família negligente e disfuncional?). Essa é a relação de amor e ódio entre uma pessoa com esse transtorno e as pessoas que as cuidam. Um dia elas te odeiam e no outro dia estão super apegadas (não é a toa que essas pessoas tenham medo de relacionar-se).

    Naquele momento pensei: “De jeito nenhum,não vou. Eles são literalmente a razão pela qual você é como é!”. Não lhe disse, mas era a verdade.

    Implorei à minha superiora que me deixasse voltar sozinha à Nova York, o que me foi concedido. Voei de Buenos Aires para Nova York e, assim que cheguei, implorei ao meu diretor espiritual (um sacerdote do IVE) que fizesse algo por mim com urgência, ou a irmã deixava a comunidade ou elas me tirassem de lá. Eu não aguentava mais!

    Finalmente, graças às suas súplicas (e, o que é mais impressionante, que foi preciso que um homem interviesse para que algo para fosse feito), ela foi enviada para a casa Provincial (a 4 quarteirões de distância).

    – Alguns meses depois, pedi um tempo de descaço e fui enviada para Avondale, na Pensilvânia, como diretora de catequese da paróquia. Isso estava longe de ser um descanço? Avondale era outra paróquia enorme e a diretora de catequese era uma responsabilidade igualmente grande em tempo integral. Portanto, eu não só estaria nessa função, mas, ao contrário que em Harlem, teria de aprender novas maneiras de fazer as coisas, conhecer todos os novos professores, famílias, etc. Cada paróquia é um mundo diferente com suas próprias regras. Sim, ótimo, muito obrigada por tudo!

    Deixei a vida religiosa apenas dois meses após minha mudança para Avondale e tudo começou a desmoronar em mim apenas um mês depois de eu estar lá. Comecei a chorar todos os dias, não conseguia comer, não conseguia sorrir, não tinha energia nem ânimo e me sentia profundamente triste. Havia chegado ao outro extremo da exaustão, sentia-me em completo luto, uma parte de mim parecia ter morrido contida nesse tipo de vida religiosa. Ironicamente, me chamava “Lumen” (luz), mas sentia que minha luz interior havia se apagado.

    A única paz e esperança que eu sentia era imaginar um dia deixar aquela vida -apesar de todos os medos de voltar ao mundo aos 30 anos, com a cabeça raspada e um intervalo de 8 anos no meu currículo- tinha a esperança que algo poderia acontecer na minha vida que seria melhor que aquilo que eu estava vivendo.

    E esses foram meus 12 anos lá. Não foi fácil e ainda não está sendo fácil trilhar meu caminho nesta sociedade capitalista, mas tenho bons aliados visíveis e invisíveis que me ajudam a trilhá-lo.

    – Meu diretor espiritual me deu permissão para pedir um indulto de saída, então pedi à minha superiora deixar a vida religiosa e ela imediatamente achou que eu estava tendo um colapso nervoso -em retrospecto se podia dizer que sim-. Ela queria me mandar a descançar no mosteiro por algumas semanas ou ir para a Califórnia. Tentei explicar a ela que essa situação vinha se arrastando há muito tempo -não se dava conta disso? Uma pausa de duas semanas no mosteiro não resolveria o problema. Finalmente, meu pedido foi encaminhado à Superiora Provincial e tive de manter o contato com ela para ter certeza de que meu pedido seria ouvido e para saber a data de quando poderia voltar para casa. Passou-se um mês até que finalmente me deram uma data para partir, 19 de setembro.

    Negligências e abusos

    Faz tres anos que venho trabalhando “entre bastidores” numa prática excepcional de terapia comportamental dialética com um conhecimento próximo e pessoal, tanto da modalidade quanto nos tipos de clientes típicos que melhor se encaixam nos critérios dessa terapia. E posso dizer com segurança que o fato das superioras terem se recusado a permitir o tratamento dessa irmã com transtorno de personalidade limítrofe (de forma residencial) foi negligente, pois ela estava causando danos a si mesma e às pessoas ao seu redor.

    Essa Ordem religiosa se orgulha em dizer que “cuida dos seus”, uma estupidez escrita em suas Constituições, porque nesse caso e em tantos outros, vemos a negligência e o cuidado insuficiente que tiveram. Na minha época, elas raramente mandavam uma irmã doente de volta para casa, mas tenho certeza de que essa irmã em particular teria recusado veementemente essa proposta, mas algo tinha de ser feito, pois a realidade era que ela era uma mulher jovem, diagnosticada com transtorno de personalidade limítrofe, recomendada por escrito para realizar uma terapia comportamental dialética residencial por seu psiquiatra, e a Ordem à qual ela pertencia se recusava a fornecer-lhe o tratamento que a ajudaria a que tivesse uma saúde mental estável. As consequências eram:

    – um sofrimento diário de altos e baixos emocionais incontroláveis,

    – que todas as irmãs com quem ela convivia sofriam regularmente com suas explosões de raiva, sua volatilidade emocional e sua manipulação, sem que a maioria delas soubessem o motivo,

    – que as superioras, como eu, tinhamos que assumir a responsabilidade em cuidar a uma pessoa que sofria de uma doença mental e emocional crônica, sem ter nenhum treinamento específico ou apoio profissional nesse tipo de função e, ao mesmo tempo, tendo que cuidar do restante da comunidade, das responsabilidades do apostolado e da província.

    PARA NÃO MENCIONAR que ninguém se importava comigo, simplesmente me enviaram uma irmã doente e um livro, como uma especie de manual de preparação para aprender a conviver com ela. Como sua superiora não consegui que lhe fosse designado um terapeuta quando ela realmente precisava de um; não consegui uma irmã extra para ajudar-me no apostolado, ou seja, não recebi nenhum apoio regular para lidar com tudo isso sozinha.

    Tudo o que eu podia fazer era telefonar para a superiora da província quando a situação saía fora do controle, mas nada era feito para cuidar da minha saúde mental e emocional.

    E desde aqui envio saudações aos meus pais

    Graças a Deus, cresci em um lar estável com vínculos seguros, graças a Deus, tive uma educação saudável e com os pés no chão, com discernimento sábio, habilidades intuitivas profundas, com a capacidade de aprender rapidamente e gerenciar meu mundo emocional bem o suficiente para não sair correndo de lá quando tudo aquilo se transformou num inferno. E agora entendo porque me sobrecarregaram com muitas coisas, aquelas que foram religiosas também entenderão: “APOIEM SEMPRE A SUAS SUPERIORAS”!

    Mas o que as SSVM estão fazendo?

    É como ter a 5 titulares de um time de basquete, que jogam mais minutos e apoiam mais o time, mas nenhum deles participam dos benefícios, como ir ao quiroprático, à sauna, comer alimentos bons e nutritivos, etc. Como explicar tudo isso sem falar de negligências e abusos?

    E nem me fale sobre como nos ensinam a ser “generosos com Deus”, pois, dessa forma, “Deus nos dará a graça para tudo o que se nos designa”. Isso nada mais é do que uma lavagem cerebral para fazer com que você se cale e seja uma freira boa e calada; para fazer com que você se sinta culpada e se confesse de qualquer pensamento contrário, quando são literalmente eles que estão sugando a vida que Deus lhe deu. Bastante distorcido, não é? Bem-vindas ao convento!

    (Estou escrevendo sobre isso).

    Será que todos nós nos comprometemos com uma vida de serviço, obediência e “morte para si mesmo como Cristo na cruz”? De fato, sim! Mas será que sabíamos que isso seria tão disfuncional e prejudicial à nossa própria saúde mental, emocional e física? Não! Deveríamos, então, ter lido as “letras pequenas”.

    Na minha opinião, ao aplicar a frase: “O que Jesus faria?”, -que para mim é uma pergunta básica do cristianismo-, às SSVM fez o oposto. Deveriam ter se preocupado, permitido e garantido um local para o tratamento dessa irmã, desta forma, lhe ajudaria a ela mesma, às irmãs que tinham que conviver com ela e à superiora que estaria responsavel pelo seu cuidado. Isso não pode ser negado por falta de recursos financeiros, porque AS SSVM SIM POSSUEM MEIOS ECONÔMICOS.

    Resumo

    Também escrevo coisas positivas sobre meu passo pela vida religiosa, já disse isso uma vez e não mudaria a decisão que tomei de entrar para as Servidoras. É um caminho de vida incomum que sou grata por ter percorrido, mas devo dizer que foi profundamente prejudicial para muitas de nós.

    Minha história é uma das mais “leves”, não sofri insultos, não sofri maus-tratos, não fui mandada para casa sozinha e sem dinheiro como outras foram. Fui levada de volta à casa por duas irmãs, provavelmente porque eu havia sido superiora por quatro anos e senti que as irmãs me valorizavam, ou talvez porque eu era apenas uma garota norte-americana branca, quem sabe! Mas há outras histórias tristes e lamentáveis que causaram mais danos. Minha historia se enquadra na categoria de traumas crônicos e duradouros, talvez haja menos historias como a minha, mas também existimos!

    No início deste ano, recebi a notícia de que uma irmã com quem eu morei havia decidido ir embora. Foi religiosa há cerca de 20 anos e isso me preocupa, rezo por ela! Entramos em contato com ela, mas no momento não queria nenhum apoio. Muitas passaram menos tempo do que nós, mas com histórias igualmente intensas e ambas são válidas e prejudiciais.

    Cada uma de nós busca curar-se e, às vezes, o processo é longo, mas eu diria que a dificuldade é que nossas histórias são difíceis de se tornarem visíveis porque tudo acontece em um ambiente com muito sigilo e ninguém REALMENTE sabe o quão exigente é a vida que levamos e a lavagem cerebral que existe, a menos que tenham passado por isso

    Repetirei sempre que se trata de uma seita, mas como tudo está sob uma fachada que grande parte do mundo honra – freiras fazendo obras de caridade, ajudando os mais pobres dos pobres, esposas de Cristo – é difícil separar o virtuoso do prejudicial, mas os dois podem coexistir.

    No entanto, aqui estamos nós. Tentando carregar nossas histórias, nossos segredos e feridas da melhor maneira possível; tentando transformá-los em magia e serviço neste mundo, muitas vezes com as nossas almas um pouco cansadas e marcadas pelo o que passamos; tentando seguir em frente sem ser “queimadas”, mais uma vez, sem deixar que se aproveitem de nós, sendo um pouco mais sábias e mais hesitante no momento de entregar-nos a algo.

    E é por isso que não quero mais trabalhar em tempo integral. Ser freira era um trabalho 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem limites. É uma merda selvagem!

    Depois da minha saída, sofrí outros esgotamento no mundo do trabalho em tempo integral e, embora isso não seja objetivamente um problema para todos, simplesmente não é mais para mim.

    Agora quero aproveitar o tempo, deitar na grama, observar a brisa que passa pelas árvores, brincar com meus gatos pelo resto dos meus dias, além de dançar, é claro.