Para ver a parte 1 (Carta do Cardeal) e a parte 2 (Anexo 1 – Reunião do Conselho Geral do IVE)
Sem entrar nas distinções entre abuso de consciência, abuso de poder e abuso espiritual, visto da perspectiva do perpetrador, o abuso espiritual é uma clara distorção de seu papel apropriado, que é a salvação das pessoas por meio de seu cuidado. Apropriar-se indevidamente da autoridade divina para usá-la para fins ilegítimos é uma forma de personificação. O caráter absoluto da autoridade suplantada, a divina, torna isso uma forma particularmente grave de violação do cargo concedido. Este não é o lugar para desenvolver uma teologia da mediação, mas está claro que usurpar o lugar de Deus é uma clara transgressão dos limites de qualquer mediação humana da autoridade divina.
O abuso espiritual pode ser definido como “uma forma de abuso emocional e psicológico. Caracteriza-se por um padrão sistemático de comportamento coercitivo e controlador em um contexto religioso. O abuso espiritual pode ter um impacto profundamente prejudicial nas pessoas que o sofrem. Esse abuso pode incluir: manipulação e exploração, responsabilização forçada, censura da tomada de decisões, exigências de sigilo e silêncio, coerção para se conformar, controle por meio do uso de textos ou ensinamentos sagrados, exigências de obediência ao abusador, a suposição de que o abusador tem uma posição ‘divina’, isolamento como forma de punição, superioridade e elitismo”.
Além do que foi indicado em relação aos religiosos e às religiosas, dado que continuam a chegar reclamações a esse respeito, especialmente por parte dos formandos, é necessário lembrar mais uma vez a todos os religiosos, especialmente aos Superiores, algumas das normas que se referem à jurisdição interna e à obrigação de não confundir jurisdição interna e externa:
- Pode. 630 §1: Os superiores concederão aos membros a devida liberdade de direção espiritual, sem prejuízo da disciplina do Instituto. A liberdade dos religiosos em termos de direção espiritual e confissão é fundamental. Os superiores não podem impedir, mas devem reconhecer e proteger positivamente esse direito dos religiosos. No que diz respeito a essa liberdade, o único limite, a fim de organizar as coisas de maneira ordenada e evitar possíveis abusos, é a disciplina do Instituto. Não se pode impor a ninguém um confessor ou diretor espiritual específico.
- Pode. 630 §3: Em mosteiros de freiras, casas de formação e comunidades leigas maiores, deve haver confessores ordinários aprovados pelo Ordinário local, depois de uma troca de opiniões com a comunidade, mas sem impor a obrigação de ir até eles. A obrigação do Superior é que os confessores estejam disponíveis, mas eles não podem forçar os religiosos a se dirigirem a eles. Além disso, como o Instituto do Verbo Encarnado é um Instituto religioso clerical de direito diocesano, a nomeação de confessores para as casas de formação (seminário menor, noviciado, seminário maior…), mesmo que o confessor seja membro do IVE, é responsabilidade do Ordinário local, não do Superior maior do Instituto (cf. cân. 968 §2 e 969 §2).
- Pode. 630 §4. Os superiores não devem ouvir as confissões de seus súditos, a menos que estes o solicitem espontaneamente. Não é coincidência que, ao se referir à mediação da autoridade do superior religioso, a expressão “vices gerentes Dei”, isto é, governar no lugar de Deus (cf. can. 601) 2. Deve-se notar, entretanto, que essa expressão se limita à esfera da obediência religiosa, que não é, no sentido próprio, uma obediência da consciência, mas apenas da vontade. Isso quer dizer que se deve obedecer, dentro de um escopo restrito, às disposições dos regulamentos do instituto religioso, não porque em consciência se considere que esse seja o melhor curso de ação, mas porque o superior é o intérprete autêntico desses regulamentos. A extensão do conceito de obediência religiosa para além da esfera daqueles obrigados por voto a obedecer é certamente ilegítima, o que não quer dizer que a ignorância dos fiéis nesse assunto não seja explorada para ultrapassar os limites da autoridade. Entretanto, como envolve uma forma inadequada de exercício de autoridade, isso seria um abuso de poder.
- Pode. 630 §5. Os membros devem se dirigir com confiança aos seus Superiores, a quem podem abrir o coração livre e espontaneamente. No entanto, os superiores estão proibidos de induzir os membros de qualquer forma a manifestar sua consciência a eles. O abuso de consciência é inerentemente interno, ou seja, fora de uma relação de autoridade formal entre a vítima e o agressor. A Igreja tem plena consciência desse perigo, e é por isso que estabelece a chamada distinção dos poderes, ou seja, impede o exercício simultâneo do poder de governo e do poder sacramental ou espiritual sobre a mesma pessoa. Certamente é possível, vale lembrar mais uma vez, usar a autoridade para obrigar a ação contra a consciência ou para coagi-la, mas, nesse caso, trata-se principalmente de uma forma de abuso de poder, uma vez que a autoridade está agindo além de seus poderes. Por definição, a autoridade não pode ser exercida no âmbito da consciência, mas apenas externamente. Em outras palavras, é característico do abuso de consciência ocorrer em um relacionamento de cuidado e assimétrico, em que uma pessoa voluntariamente abre sua consciência para outra a fim de receber ajuda, e não em um relacionamento de autoridade. Por essa razão, a Igreja estipula no Código de Direito Canônico que, em comunidades religiosas ou similares, os superiores não devem, de forma alguma, induzir seus súditos a se confessarem a eles ou a manifestarem sua consciência a eles fora da confissão. O abuso espiritual e o abuso de consciência comprometem a confiança, que é um pressuposto do relacionamento de autoridade em um contexto religioso ou de um relacionamento de cuidado.
- Pode. 239 §2. Em todo seminário deve haver pelo menos um diretor espiritual, mas os alunos podem recorrer a outros sacerdotes que tenham sido nomeados pelo bispo para essa função.
- Pode. 240 §1. Além dos confessores comuns, outros confessores frequentam regularmente o seminário; e, sujeitos à disciplina do estabelecimento, os alunos também podem sempre se dirigir a qualquer confessor, seja no seminário ou fora dele.
- Can 240 §2: Nunca em A opinião do diretor espiritual ou dos confessores nunca pode ser confessores quando for necessário tomar uma decisão sobre a admissão de estudantes às ordens ou sobre sua saída do seminário. Isso é óbvio não só a partir de uma norma jurídica, mas também de uma norma sacramental-ética: na admissão às Ordens Sagradas, também por analogia na admissão à profissão religiosa, bem como na possível demissão do seminário (ou do Instituto), é absolutamente proibido pedir a opinião dos confessores e diretores espirituais a esse respeito.
- Pode. 1378 §1. Quem, além dos casos já previstos em lei, abusar do poder eclesiástico, cargo ou ofício, deve ser punido de acordo com a gravidade do ato ou omissão, sem excluir a privação do cargo ou ofício, permanecendo firme a obrigação de reparar o dano. É verdade que não há tipificação de abuso de consciência no direito canônico, mas muitas vezes se recorre a ele. 1378 para sancioná-lo.
- Pode. 1378 §2. Quem, por negligência culposa, praticar ou omitir ilegitimamente um ato de autoridade eclesiástica, de ofício ou de ofício, com prejuízo ou escândalo de outrem, deve ser punido com prisão.r punido com uma pena justa de acordo com o c. 1336, §§ 2-4, mantendo-se firme a obrigação de reparar o dano.4.
Catecismo da Igreja Católica, n. 2690: “O Espírito Santo concede a alguns fiéis os dons da sabedoria, da Je e de discernimento direcionado para esse bem comum que é a oração {direção espiritual). Aqueles que foram agraciados com tais dons são verdadeiros servos da tradição viva da oração: Portanto, a alma que deseja avançar na perfeição, de acordo com o conselho de São João da Cruz, deve “olhar para cujo porque, seja qual for o professor, tal será o discípulo, e que o pai, tão em filho”. E acrescenta que o diretor: “além de ser sábio e discreto, deve ser experiente. […] Se não existe experiência do que é o espírito puro e verdadeiro, ele não será capaz de direcionar o em alma nele, quando Deus Jo é dado, nem mesmo Jo entenderá” (Flame of living love [Chama do amor vivo]), segunda redação, estrofe 3, declaração, 30). O abuso de consciência também é grave, pois entrar nesse tabernáculo5 exige uma prudência especial. Portanto, a Igreja ensina que esse serviço requer competências específicas que devem ser especialmente reconhecidas. Por essa razão, a cura animarum, por meio do ofício de pároco ou de acompanhante espiritual, constitui um ofício que deve ser reconhecido pela autoridade eclesiástica (cân. 239 §2; 521 e 630). O abuso de consciência por parte dessas pessoas batizadas – especialmente constituídas para essas relações de cuidado – afeta a credibilidade das mediações eclesiais, além de prejudicar a integridade psicológica – às vezes física – das vítimas.
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